ONU: 122 milhões de pessoas empurradas para a fome desde 2019

ações

No último relatório de cinco agências da ONU, a emergência climática, os conflitos armados e a pandemia de Covid-19 são vistos como algo que empurra ainda mais para fora do alcance o objectivo global de erradicar a fome.  

Pessoas na região somali da Etiópia, atingida pela seca, em abril. (UNICEF Etiópia, CC-BY-NC-ND 2.0)

By Jessica Corbett
Sonhos comuns

TA emergência climática, os conflitos armados e a pandemia de Covid-19 levaram mais de 100 milhões de pessoas à fome em todo o mundo durante os últimos anos, revelaram na quarta-feira cinco agências das Nações Unidas num relatório anual.

O mais recente "Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo”O relatório estima que a fome afetou entre 691 milhões e 783 milhões de pessoas no ano passado, com uma média de 735 milhões – ou 122 milhões a mais do que em 2019, antes do desastre de saúde pública.

[Relacionadas: Países ricos economizam no combate à fome]

“De 2021 a 2022, foram feitos progressos na redução da fome na Ásia e na América Latina, mas a fome ainda está a aumentar na Ásia Ocidental, nas Caraíbas e em todas as sub-regiões de África”, afirma o relatório da Organização para a Alimentação e Agricultura ( FAO), Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Programa Alimentar Mundial (PAM).

[Relacionadas: Como erradicar a pobreza]

Em termos de nutrição, “mais de 3.1 mil milhões de pessoas no mundo — ou 42 por cento — não conseguiram pagar uma dieta saudável em 2021”, ou “um aumento global de 134 milhões de pessoas em comparação com 2019”, refere a publicação. “Em todo o mundo, em 2022, estima-se que 148.1 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade (22.3%) sofriam de atraso no crescimento, 45 milhões (6.8%) estavam debilitadas e 37 milhões (5.6%) tinham excesso de peso.”

O documento também olha para o futuro, alertando para a projeção de que “quase 600 milhões de pessoas sofrerão de subnutrição crónica em 2030”, o que “é cerca de 119 milhões a mais do que num cenário em que nem a pandemia nem a guerra na Ucrânia tinham ocorrido, e cerca de 23 milhões a mais do que se a guerra na Ucrânia não tivesse acontecido.”

O segundo dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) que os estados membros da ONU estabeleceram para 2030 é erradicando a fome. Dadas as condições actuais, bem como as expectativas para o resto desta década, atingir esse objectivo “representa um desafio assustador”, escreveram os líderes das cinco agências no prefácio do relatório.

Uma mulher em Sindh, Paquistão, que vivia num abrigo feito de paus e panos depois da sua casa ter sido destruída pelas inundações em 2022. (União Europeia, Flicker CC BY 2.0)

“Como sublinharam as edições anteriores deste relatório, a intensificação dos principais factores de insegurança alimentar e de subnutrição – conflitos, extremos climáticos, abrandamentos e crises económicas e desigualdade crescente – que ocorrem frequentemente em combinação, está a desafiar os nossos esforços para alcançar os ODS”, diz o documento.

“Não há dúvida de que estas ameaças continuarão, exigindo que permaneçamos firmes para construir resiliência contra elas. No entanto, ainda existem megatendências importantes que devem ser plenamente compreendidas na elaboração de políticas para cumprir as metas do ODS 2”, continua a publicação. “Uma dessas megatendências, e o foco do relatório deste ano, é a urbanização.”

A nova publicação suscitou apelos apaixonados à acção por parte dos líderes da ONU – incluindo o Secretário-Geral António Guterres, que dito numa mensagem de vídeo que “num mundo de abundância, ninguém deveria passar fome e ninguém deveria sofrer a crueldade da desnutrição. Mas este relatório sobre o estado da segurança alimentar e nutricional pinta um quadro nítido da nossa realidade.”

O secretário-geral da ONU, António Guterres, na ONU em maio. (Foto ONU/Manuel Elías)

“Há raios de esperança: algumas regiões estão no bom caminho para atingir algumas metas nutricionais para 2030. Mas, no geral, precisamos de um esforço global intenso e imediato para resgatar os objectivos de desenvolvimento sustentável”, declarou Guterres. “Temos de construir resiliência contra as crises e choques que provocam a insegurança alimentar – desde os conflitos até às alterações climáticas. Devemos proteger os ganhos na nutrição infantil, inclusive dos riscos decorrentes do aumento da obesidade. E devemos garantir que os sistemas alimentares estejam preparados para o futuro.”

Presidente do FIDA, Álvaro Lario sublinhou numa declaração de que “um mundo sem fome é possível. O que falta são investimentos e vontade política para implementar soluções em grande escala. Podemos erradicar a fome se fizermos dela uma prioridade global.”

“Os investimentos nos pequenos agricultores e na sua adaptação às alterações climáticas, no acesso a insumos e tecnologias e no acesso ao financiamento para a criação de pequenos agronegócios podem fazer a diferença. Os pequenos produtores são parte da solução”, disse Lario. “Devidamente apoiados, podem produzir mais alimentos, diversificar a produção e abastecer os mercados urbanos e rurais – alimentando as zonas rurais e as cidades com alimentos nutritivos e cultivados localmente.”

Jessica Corbett é redatora da Common Dreams.

Este artigo é de Sonhos comuns.

As opiniões expressas neste artigo podem ou não refletir as de Notícias do Consórcio.

12 comentários para “ONU: 122 milhões de pessoas empurradas para a fome desde 2019"

  1. J Antônio
    Julho 16, 2023 em 08: 12

    O facto de termos a capacidade de alimentar, vestir e alojar todos os seres humanos do planeta, mas não o fazermos, deveria ser suficiente para deixar claro a qualquer pessoa que estamos a falhar como espécie e que os nossos sistemas criados pelo homem são obsoletos, desatualizada, o que quer que seja... a tecnologia que criamos está sempre progredindo, mas as nossas atitudes e ideologias não. Este é o Grande Cisma.

  2. jonathan p nelms
    Julho 14, 2023 em 16: 20

    e quanto ao efeito do imperialismo americano?

  3. Vera Gottlieb
    Julho 14, 2023 em 06: 01

    E quantos foram 'empurrados' para a riqueza??? lucrando com esses desastres?

  4. WillD
    Julho 14, 2023 em 00: 10

    Como muitos observaram no passado, poderíamos erradicar a fome global simplesmente desviando as vastas somas de dinheiro gastas em armas e armamento no Ocidente – e ainda assim ter trocos!

  5. Drew Hunkins
    Julho 13, 2023 em 14: 10

    Compare esse número com o que a China conseguiu ao longo dos últimos anos: tirou milhões dos seus cidadãos da pobreza extrema.

  6. Riva Enteen
    Julho 13, 2023 em 13: 03

    Com o mundo à beira de uma guerra mundial e com o aumento da fome, terá a ONU uma razão de ser? Ficará apenas à margem e emitirá avisos, bem como colaborará no encobrimento de crimes de guerra? Tem dentes ou é totalmente impotente?

    • Rob Roy
      Julho 13, 2023 em 16: 12

      Riva, boa pergunta. As pessoas deveriam dar uma olhada na solução da China. Quando Xi Jinping assumiu o cargo, havia fome e pobreza extremas em todo o país. Ele criou um sistema, usando 800,000 mil jovens para formar quadros que se espalhariam pelas áreas de extrema fome em toda a China. O período deles foi de dois anos. Nestas áreas foram estudadas as situações e encontradas e implementadas soluções, criando comunidades que cultivavam alimentos, pecuária e unidade para incluir todos os membros das suas comunidades, cooperativas inclusivas, com foco no desenvolvimento. Adivinhe, a pobreza extrema foi eliminada na China. Deus não permita que os EUA concebam algo comparável, os americanos pensando apenas individualmente; isto é, egoisticamente. Deus nos livre de pensarmos em comunidade.

      • Abençoe as feras
        Julho 15, 2023 em 09: 56

        Pensar em comunidade não combina com o capitalismo.

    • Valerie
      Julho 13, 2023 em 18: 03

      Já disse antes de Riva que a ONU é tão útil quanto um cinzeiro de motocicleta. Mas isso vale para a maioria dos “corpos” criados para representar o planeta. Eles são impotentes diante do capitalismo e da ganância.

      • Riva Enteen
        Julho 14, 2023 em 12: 15

        Obrigado Valéria. Até que se reconheça que a ONU é um impotente “cinzeiro numa motocicleta”, ela dá um verniz de legitimidade à patologia do capitalismo e da ganância.

        • Valerie
          Julho 14, 2023 em 18: 46

          E poderíamos ter nos saído tão bem. Que vergonha para nós.

    • Vera Gottlieb
      Julho 14, 2023 em 06: 03

      A ONU está demais com a bota da América na garganta.

Comentários estão fechados.