Os incêndios assolam a Amazônia enquanto o presidente brasileiro Bolsonaro se torna alvo da indignação global, escreve Pepe Escobar.
By Pepe Escobar
em Curitiba, Brasil
Asia Times
BO Brasil sempre foi uma terra de superlativos. No entanto, nada supera a actual configuração perversa: um estadista mundial permanece na prisão enquanto um bandido palhaço está no poder, sendo as suas travessuras agora consideradas uma ameaça para todo o planeta.
Em uma ampla entrevista exclusiva mundial, de duas horas, realizada em uma sala de prisão no prédio da Polícia Federal em Curitiba, sul do Brasil, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva não apenas apresentou à opinião pública global sua inocência no toda a saga de corrupção da Lava Jato, confirmada pela bomba vazamentos revelado pelo The Intercept, mas também se reposicionou para retomar seu status de líder global. Provavelmente, mais cedo ou mais tarde – dependendo de uma decisão fatídica e futura do Supremo Tribunal Brasileiro, para o qual a Justiça não é propriamente cega.
O pedido de entrevista foi inserido há cinco meses. Lula conversou com os jornalistas Mauro Lopes, Paulo Moreira Leite e eu, representando nos três casos o site Brasil247 e no meu caso o Asia Times. A corte brusco, com apenas uma câmera focando Lula, foi divulgada nesta última quinta-feira, dia da entrevista. Uma versão completa e editada, com legendas em inglês, visando a opinião pública global, deverá ser lançada até o final da semana.
Lula é uma personificação visível da máxima de Nietzsche: tudo o que não mata te torna mais forte. Totalmente em forma (ele corre na esteira pelo menos duas horas por dia), afiado, com bastante tempo para ler (o mais recente foi um ensaio sobre Alexander von Humboldt), ele exibiu sua marca registrada de amplitude, alcance e domínio de múltiplas questões – às vezes desenrolado como se fosse parte de uma narrativa de realismo fantástico de Garcia Márquez.
Assistir CN ao vivo! entrevista com Pepe Escobar em sua entrevista com Lula:
O ex-presidente mora em uma cela de três por três metros, sem grades, com a porta aberta, mas sempre com dois policiais federais do lado de fora, sem acesso à internet ou TV a cabo. Um de seus assessores obedientemente traz para ele um pen drive todos os dias repleto de notícias políticas e sai com inúmeras mensagens e cartas.
A entrevista é ainda mais surpreendente quando colocada no contexto literalmente incendiário da atual política brasileira, flertando ativamente com uma forma híbrida de semiditadura. Enquanto Lula fala o essencial e está claramente recuperando a voz, mesmo na prisão, o presidente Jair Bolsonaro se enquadrou como alvo da indignação global, amplamente considerada como uma ameaça à humanidade que deve ser contida.
O Dia do Fogo
Corta para o G7 em Biarritz: na melhor das hipóteses, um espectáculo secundário, um talk-shop onde o Ocidente presumivelmente liberal se deleita com a sua pródiga impotência para lidar com questões globais graves sem a presença de líderes do Sul Global.
E isso nos leva à questão literalmente candente dos incêndios florestais na Amazônia. Em nossa entrevista, Lula foi direto ao ponto: ao apontar a responsabilidade absoluta da base eleitoral de Bolsonaro.
O G7 não fez nada além de ecoar as palavras de Lula, com o presidente francês Emmanuel Macron enfatizando como ONGs e vários atores judiciais, durante anos, têm levantado a questão da definição de um estatuto internacional para a Amazônia – que as políticas de Bolsonaro, por si só, impulsionaram a no topo da agenda global.
No entanto, a oferta do G7 de um pacote de ajuda imediato de 20 milhões de dólares para ajudar as nações amazónicas a combater os incêndios florestais e depois lançar uma iniciativa global para proteger a floresta gigante mal equivale a uma gota de chuva.
[O Brasil, depois que este artigo foi escrito, rejeitou a ajuda oferecida pelos países do G7, com um alto funcionário dizendo ao presidente Macron da França na segunda-feira para cuidar de “sua casa e suas colônias”, informou a AFP. “Talvez esses recursos sejam mais relevantes para reflorestar a Europa”, disse Onyx Lorenzoni, chefe de gabinete de Bolsonaro, ao site de notícias G1. “Macron não consegue sequer evitar um incêndio previsível numa igreja que é Património Mundial. O que ele pretende ensinar ao nosso país?” Ele se referia ao incêndio de abril que devastou a Catedral de Notre-Dame. “O Brasil é uma nação democrática e livre que nunca teve práticas colonialistas e imperialistas, como talvez seja o objetivo do francês Macron”, disse Lorenzoni. -eds.]
Significativamente, o Presidente dos EUA, Donald Trump, nem sequer participou na sessão do G7 que abordou as alterações climáticas, os ataques à biodiversidade e aos oceanos – e a desflorestação da Amazónia. Não admira que Paris simplesmente tenha desistido de emitir uma declaração conjunta no final da cimeira.
Em nossa entrevista, Lula enfatizou seu papel marcante na cúpula sobre mudanças climáticas da Conferência das Partes (COP-15) em Copenhague, em 2009. Além disso, ele contou a história interna de como as negociações prosseguiram e como ele interveio para defender a China de Acusações dos EUA de serem o maior poluidor do mundo.
Na época Lula disse: “Não é preciso derrubar uma única árvore na Amazônia para cultivar soja ou para pastar gado. Se alguém está fazendo isso, isso é crime – e um crime contra a economia brasileira.”
A COP-15 deveria avançar as metas estabelecidas pelo Protocolo de Quioto, que expiravam em 2010. Mas a cimeira falhou depois de os EUA – e a UE – se terem recusado a aumentar as suas projecções de redução de CO2 enquanto culpavam os actores do Sul Global.
Culpando as ONGs pelo fogo
Em nítido contraste com Lula, o projecto de Bolsonaro equivale, na verdade, a uma destruição não criativa de activos brasileiros, como a Amazónia, em benefício dos interesses que ele representa.
Agora o clã Bolsonaro culpa o próprio Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo – o equivalente ao Conselho de Segurança Nacional – liderado pelo General Augusto Heleno, por não ter avaliado o alcance e a gravidade dos actuais incêndios florestais na Amazónia.
Heleno, aliás, está oficialmente defendendo a prisão perpétua de Lula.
Ainda assim, isso não conta toda a história – embora o próprio Bolsonaro também tenha continuado a culpar as “ONGs” pelos incêndios.
A história real confirma o que Lula disse na entrevista. No dia 10 de agosto, um grupo de 70 agricultores ricos, todos eleitores de Bolsonaro, organizou no WhatsApp um “Dia do Fogo” na região de Altamira, no vasto estado do Pará.
Esta é a região com o maior número de incêndios florestais no Brasil – infestada por empreendedores rurais agressivos que se dedicam ao desmatamento massivo e intenso; eles investem na ocupação de terras e numa guerra sem tréguas contra os camponeses sem terra e os pequenos produtores agrícolas. O “Dia do Fogo” deveria apoiar o esforço de Bolsonaro para acabar com o monitoramento oficial e apagar multas sobre um dos “Bs” do lobby do BBB que o elegeu (Carne, Bala, Bíblia).
Lula estava evidentemente bem informado: “Basta olhar as fotos de satélite, saber quem é o proprietário e ir atrás dele para saber quem está queimando. Se o proprietário não reclamou, não foi à polícia avisar que seu terreno estava queimando, é porque ele é o responsável”.
Na estrada com o Papa
Uma estratégia viciosa de guerra híbrida pós-verdade pode estar em jogo no Brasil. Dois dias depois da entrevista com Lula, um fatídico paella ocorreu em Brasília, no palácio da vice-presidência, com Bolsonaro se reunindo com todos os principais generais, incluindo o vice-presidente Hamilton Mourão.
Analistas independentes estão a considerar seriamente uma hipótese de trabalho de venda do Brasil utilizando a preocupação global sobre a Amazónia, todo o processo velado por uma falsa retórica nacionalista.
Isso enquadrar-se-ia no recente padrão de venda da Embraer, campeã nacional da aviação, de privatização de grandes blocos de reservas do pré-sal e de arrendamento da base de lançamento de satélites de Alcântara aos Estados Unidos. A soberania brasileira sobre a Amazônia está definitivamente em jogo.
Considerando a riqueza de informações da entrevista de Lula, sem falar na narrativa de como realmente funcionam os corredores do poder, Asia Times publicará mais histórias específicas sobre o Papa Francisco, os BRICS, Bush e Obama, o Irão, a ONU e a governação global. Esta foi a primeira entrevista de Lula na prisão, onde ele se sentiu relaxado o suficiente para contar histórias sobre relações internacionais.
O que ficou claro é que Lula é o único fator de estabilidade possível para o Brasil. Ele está pronto, tem uma agenda não só para a nação, mas para o mundo. Ele disse que assim que partir, irá para as ruas – e ganhará milhas de passageiro frequente: quer embarcar ao lado do Papa Francisco numa campanha global contra a fome, a destruição neoliberal e a ascensão do neofascismo.
Agora compare um verdadeiro estadista na prisão com um bandido incendiário vagando pelo seu próprio labirinto.
Esta neste artigo foi publicado originalmente em Ásia Times.
Pepe Escobar, um veterano jornalista brasileiro, é o correspondente geral do jornal com sede em Hong Kong Asia Times. Seu último livro é "2030. " Siga-o no Facebook.
Assisti e reassisti o vídeo da entrevista que o Joe fez com o Pepe sobre Lula. Foi intensamente interessante, embora eu tenha achado alarmante o apoio incondicional de Escobar a Lula. E eu o ouvi comparar Lula com JFK? Essa é a doença de Camelot que eu vi? Será que Pepe não sabe que pouco antes do seu assassinato, JFK deu início ao golpe que derrubaria o presidente eleito do Brasil em 64 e iniciaria a derrubada dos Estados sul-americanos e a imposição de Estados policiais em seu lugar? Isso é história pura. Howard Zinn e outros, por exemplo, recordam a falsa Aliança para o Progresso de Kennedy, um instrumento para financiar forças armadas que, por sua vez, reprimiram o seu povo.
Também achei estranho que o muito informado Pepe Escobar não tivesse mais nada a dizer sobre o problema que Lula lhe mencionou, sem entrar em detalhes, que o levou à deposição. Eu teria pensado que esse problema é tão comum e foi tão bem explicado, por exemplo, por Noam Chomsky e Edward Herman, que todos sabem o que é. Sim, as elites compradores são um problema. Essa não é toda a história, nem de longe. A formação – que os tolos Estados em desenvolvimento permitem – de polícias e oficiais militares por pessoal dos EUA, muitas vezes nos EUA (onde são doutrinados e regressam aos seus países de origem como pessoas que foram transformadas em vampiros), é provavelmente o maior factor na possibilitando golpes de estado bem-sucedidos. Outro problema que os Estados visados precisam de enfrentar é a comunicação social do sector privado. Espanta-me que o Estado belicista possa considerar as notícias reais falsas e uma ameaça à segurança nacional e usar isso, com sucesso, como desculpa para travar uma guerra contra os jornalistas e o jornalismo, mas o povo e os seus campeões políticos não conseguem convencer-se a chamam os meios de comunicação de direita nos seus países de uma ameaça à segurança nacional, o que são esses meios de comunicação, e depois tomam as medidas apropriadas. Que diabos?!
Acho que isso foi postado originalmente durante o seu apagão. De qualquer forma…,
Os mesmos incêndios florestais na Bolívia parecem ser causados pelo seu presidente professo “liberal”. Evo Morales está a pressionar por uma extensão ilegal do seu mandato, e também parece estar em dívida com a mesma política de corte e queima, mesmo depois da fronteira brasileira. Aqui está um relato emocionante, repleto da visão de uma onça destemida fugindo desesperadamente para salvar sua vida.
https://www.theguardian.com/world/2019/sep/02/bolivia-evo-morales-wildfires-chiquitano
Morales parece estar em dívida com as mesmas forças económicas internacionais “neo” liberais que descreve, incluindo o Grupo Blackstone, que financiou tanto a estrada das colheitas e dos hambúrgueres através da Amazónia como as campanhas de Trump e McConnell.
https://theintercept.com/2019/08/27/amazon-rainforest-fire-blackstone/
Só posso dizer: Deus proteja Lula dos desígnios sombrios de seus inimigos e fortaleça-o e capacite-o para dizer a verdade e se tornar uma força poderosa para a mudança. Seus inimigos se estendem a todos os atores que pretendem ganhar dinheiro com os recursos do Brasil e que não se importam com o meio ambiente da Amazônia. Um fato básico que aprendi é que, uma vez desmatado, o solo, devido ao seu teor de ferro, torna-se duro como uma rocha quando exposto ao sol, de modo que apenas gramíneas e plantas menores podem crescer ali. Então, um dos geradores de oxigênio do mundo está desaparecendo... e o fogo queima...
Outra peça brilhante de Pepe Escobar. Obrigado CN! Sugiro que todos os que comem carne bovina pensem duas vezes sobre a origem dessa carne, como é criada e as consequências para o meio ambiente. Dica: o McDonald's é cúmplice; e aqueles que pensam no futuro do seu mundo não comem lá.
Na verdade, mas os incêndios na Bolívia parecem ser causados pelo seu presidente “liberal”. Evo Morales está pressionando por uma extensão ilegal, mas parece estar em dívida com a mesma política de corte e queima, logo após a fronteira brasileira. É difícil colocar o rótulo de “liberal” na tentativa desesperada de uma destemida onça-pintada de fugir de seu lar na selva.
https://www.theguardian.com/world/2019/sep/02/bolivia-evo-morales-wildfires-chiquitano
Morales parece estar em dívida com as mesmas forças económicas internacionais “neo” liberais, nomeadamente o Grupo Blackstone, que financiou tanto a estrada das colheitas e dos hambúrgueres através da Amazónia como as campanhas de Trump e McConnell.
https://theintercept.com/2019/08/27/amazon-rainforest-fire-blackstone/
Link incorreto e título falso. O correto é: “Lula diz ao mundo que voltou da prisão” -> https://www.asiatimes.com/2019/08/article/lula-from-jail-tells-world-hes-back-in-the-game/
Isso é uma merda, pessoal.
FALA SÉRIO!!!!!
Esse mapa é um pouco enganador. Quando você acessa o site e aumenta o zoom, os incêndios ficam cada vez menores. Os incêndios foram realmente causados pelo Presidente do Brasil? Todo mundo está dizendo isso, mas onde estão as evidências para apoiá-lo? Também há incêndios no Peru e na Bolívia, obviamente que não são causados pelo Presidente do Brasil. O que está acontecendo nesses lugares?
Bill, embora esses incêndios obviamente não tenham sido causados diretamente pelo presidente, já que ele não mandou atear fogo, o fato de ele ter cortado o orçamento dos órgãos de preservação e fiscalização e ao mesmo tempo incentivar a agricultura predatória na região amazônica – e considerando o fato de ele recusou-se a usar imagens de satélite para investigar os incêndios – é suficiente para justificar a reputação que conquistou nas últimas semanas.