O Natal obscurece Jesus?

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A época do Natal celebra o mito real de Jesus, o seu nascimento supostamente milagroso e a linhagem real como rei dos reis, mas isso perde de vista o Jesus histórico e a sua mensagem revolucionária de justiça para os pobres e impotentes, como reflecte o Rev. Howard Bess.

Pelo Rev.

O surgimento de Jesus como um profeta judeu notável foi algo que nenhum contemporâneo teria previsto. Afinal, ele vivia num mundo onde os líderes eram determinados pela proeminência do seu nascimento ou pelo uso eficaz da violência.

Jesus não possuía nenhum dos dois. Ele veio de origens humildes e ensinou a não-violência. Jesus conquistou seguidores entre os pobres como rabino de reputação, o que significa que lhe faltava educação formal e treinamento religioso. Ele também morava na pequena cidade de Nazaré, quase 100 quilômetros ao norte de Jerusalém, a principal sede do poder religioso e político da região.

Jesus de Nazaré pronunciando seu Sermão da Montanha retratado pelo artista Carl Bloch.

Jesus de Nazaré pronunciando seu Sermão da Montanha retratado pelo artista Carl Bloch.

O registro escrito mais antigo da vida de Jesus foi o evangelho escrito por um autor desconhecido chamado Marcos, que nada diz sobre um nascimento milagroso ou sobre a linhagem real. (A ficção de seu nascimento milagroso, filho de uma mulher com laços reais, foi fabricada décadas depois.)

Em vez disso, Jesus representava uma tradição muito pequena dentro do Judaísmo que surgia ocasionalmente das fileiras dos pobres para criticar e desafiar os poderes religiosos, políticos, sociais e económicos dominantes que dominavam a sociedade e pouco ofereciam ao povo.

Jesus ganhou seu status de reputação como rabino contando histórias e apresentando aforismos que agitavam as mentes de seu público e estimulavam sua compreensão. Completamente comprometido em viver a Torá israelita (lei e vontade de Deus) na terra, Jesus era devoto em sua fé e radical em sua aplicação da Torá na vida cotidiana.

Segundo o relato de Marcos, Jesus iniciou seu ministério público com um grande anúncio: “Chegou a hora. O reino de Deus chegou.” O fato de Jesus fazer esse pronunciamento na remota Galiléia aumentou o aparente absurdo do que ele pretendia fazer.

Jesus não só viveu e ensinou numa área rural longe dos centros de poder, como não há registo em nenhum dos quatro evangelhos de que ele tenha entrado nas duas principais cidades da sua vizinhança, Tibério e Séforis. O seu coração, mente e alma estavam com os pobres rurais presos em ciclos de ignorância e necessidade desesperada.

Apesar da sua falta de educação formal e da sua distância da sofisticação urbana, Jesus foi um observador astuto das hierarquias religiosas, económicas, políticas e sociais que violavam a terra e aterrorizavam as pessoas comuns da sua região. Uma leitura atenta de suas histórias e de seus aforismos revela o quão radical ele era.

Na época, poucas alternativas estavam disponíveis para as pessoas que buscavam mudanças. Os governantes romanos e seus seguidores detinham todo o poder e eliminaram os manifestantes sem hesitação. No entanto, a colaboração com as elites políticas e económicas era vista como traição no meio da miséria das pessoas comuns na Galileia. Qualquer cooperação com os opressores poderia colocar irmão contra irmão e parente contra parente.

Como rabino dos pobres, Jesus conscientizou as pessoas sobre a injustiça infligida pelos ricos e poderosos, mas também procurou ensinar-lhes uma nova maneira de corrigir o que estava errado. Ele ensinou-lhes que o reinado de Deus era mais do que uma esperança para o futuro, mas uma forma de alcançar a justiça aqui e agora através de ações tomadas por crentes fiéis.

O evangelho de Marcos apresenta o caminho de Jesus para estabelecer o reino de Deus na terra (e Mateus e Lucas repetem a mensagem). Fundamentalmente, Jesus redefiniu o significado do que era ser grande, declarando que a grandeza não pertencia aos ricos e poderosos.

“Se alguém quer ser grande, seja servo de todos”, disse Jesus. Foi uma reafirmação do grande mandamento de amar o próximo.

Quando Jesus expôs pela primeira vez o seu plano simples para estabelecer o reino de Deus na terra, ele falou aos camponeses rurais pobres, desprovidos de direitos, frustrados, irritados e impotentes. Ele os desafiou a alinhar a sociedade israelita com os mais nobres ideais da Torá, criando uma sociedade baseada no serviço aos outros.

No entanto, mesmo dois milénios depois, o maior desacordo entre os seguidores de Jesus continua a ser a sua visão deste caminho para a grandeza através do serviço aos outros. Os mundanos de hoje, como a realeza e os ricos da época de Jesus, ainda afirmam que a grandeza vem da riqueza e do poder. Mas a mensagem do servo ainda ecoa pelos corredores da história.

Tenho esperança no futuro porque muitas pessoas compreendem a mensagem de Jesus, de que o reino de Deus pode ser uma realidade na terra. Nos últimos anos, tem havido um aumento de igrejas cristãs “emergentes”, marcadas pelo interesse no Jesus histórico e pela prática do que ele ensinou.

Estou esperançoso também porque uma alma gémea apareceu no Vaticano com a eleição do Papa Francisco, que invocou o espírito de São Francisco de Assis, que criticou a desigualdade de rendimentos e que fez do estabelecimento do modelo de serviço uma prioridade.

O reverendo Howard Bess é um ministro batista americano aposentado que mora em Palmer, Alasca. O endereço de e-mail dele é [email protegido]

8 comentários para “O Natal obscurece Jesus?"

  1. Dezembro 11, 2013 em 09: 59

    A época do Natal é a melhor época do ano. Amo o Natal a cada ano mais. O Natal é a época do amor e da família.

  2. Frank
    Dezembro 10, 2013 em 21: 17

    Não posso acreditar em nenhum deus. Quando olho para este magnífico Universo, é óbvio que nenhum deus, divindade ou qualquer coisa mística o criou. Como eles poderiam? Está muito, muito além das habilidades mágicas desses frágeis e imaginários “amigos no céu”, repletos de todas as deficiências da humanidade, criar essa coisa incrível que chamamos de “existência”.

    Mas, embora evitemos as histórias fantasiosas de magia, milagres e mistério, faríamos bem em ouvir a mensagem, pois ela é intemporal. Isso vale o nosso esforço para entender.

    Acho difícil viver em um mundo que não se importa nem um pouco com o menor de nós. E, portanto, cabe aos ímpios, aos ateus, aos agnósticos, aos humanistas, aos incrédulos e aos hereges compreender a mensagem de Jesus sem qualquer necessidade de se ajoelhar ou tolerar o absurdo que tem espumado em torno dos mitos.

    Devemos escutar para ouvirmos o que há de bom nas palavras deste Jesus. Deveríamos ser os praticantes misericordiosos que cuidam daqueles de nós que sofrem que os Kristers consideram tão abomináveis.

    Não sejamos cristãos, mas ajamos como tal. Para mim, se há uma lição nas palavras de Jesus, é essa.

  3. HISTÓRICO
    Dezembro 9, 2013 em 18: 32

    Este tipo de artigo é uma das razões pelas quais considero os cristãos progressistas tão interessantes. Respeito que vocês sejam pessoas de consciência, que leiam o que há de bom em seus corações nos textos antigos, mas estão vendo coisas neles que simplesmente não existem.

    O mundo deles era um lugar mágico dirigido por espíritos invisíveis: eram os espíritos que atribuíam aos homens a sua sorte na vida, e só a magia poderia fazê-los mudar. A mensagem única de Jesus foi que o tempo da magia, “o reino de meu Pai”, havia chegado. O fato de ele ter morrido em agonia gritando “pai, por que você me abandonou?” resume muito bem seu fracasso abjeto como “profeta”.

    Não havia interesse no mundo antigo na “justiça social”, tal como entendemos esse conceito hoje. Certos atos de caridade gerariam recompensas do(s) deus(es) que controlavam o destino dos homens e eram valorizados apenas por esse motivo. As pessoas nem sequer se viam como indivíduos da forma como assumimos ser hoje. As noções que os americanos prezam hoje de liberdade, igualdade, ausência de classes, democracia genuína e, acima de tudo, de individualidade – não têm precedentes na Europa cristã. São antes a nossa herança das culturas tribais dos nativos americanos orientais, que tanto impressionaram os primeiros colonizadores e exploradores, e que os missionários cristãos trabalharam tão diligentemente para apagar.

  4. Morton Kurzweil
    Dezembro 9, 2013 em 12: 37

    A verdade é que foram os gregos, e não os judeus, que mataram Jesus. A sublimação do cristianismo dos apóstolos evangélicos no panteão da mitologia olímpica matou o Jesus judeu. Onde mais seria aceitável a ideia de Cronos comer seus filhos para evitar a derrubada dos Titãs e o renascimento e a vitória de seu filho?
    Onde mais a intervenção direta da divindade com os humanos seria entendida como no “mistério” de engravidar uma mulher para dar à luz um Deus?
    As exigências de uma burocracia religiosa autocrática exigiam o desenvolvimento de uma escolástica para sustentar a autoridade absoluta do precedente e da obediência da lei tal como era interpretada pelos Deuses Olímpicos, que na maioria das vezes deixavam de prestar atenção à Lei nas suas interacções com a humanidade.

  5. Hillary
    Dezembro 9, 2013 em 05: 50

    “A época do Natal celebra o mito real de Jesus”
    ..
    Não existem deuses, nem duendes, fadas, unicórnios ou gnomos -
    ..
    Nunca foi, nunca será.
    ..
    Mas agora é um “mito real de Jesus”? - para os imaturos e crédulos?
    E nada importa a menos que aceitemos Deus e Jesus Cristo. Por não fazer isso, você queimará por uma eternidade no Inferno…?

    • Gregório Kruse
      Dezembro 9, 2013 em 13: 35

      É interessante para mim que todas as coisas que você menciona (duendes, etc.) sejam produtos da imaginação. Negá-los é negar o valor da imaginação. Quer as histórias de Jesus sejam ficção ou não-ficção, são produtos da imaginação, e algumas pessoas têm “células” de imaginação que precisam de estimulação. Do contrário, provavelmente você tem outros tipos de células, mas não entendo por que você leu Howard Bess e nem se deu ao trabalho de comentar.

      • Hillary
        Dezembro 9, 2013 em 13: 41

        “Não entendo por que você leu Howard Bess e ainda perde tempo comentando.”
        .
        Para ajudar a parar a guerra contra o Islão.
        .
        Esse outro mito destrutivo.

    • Gretchen Robinson
      Dezembro 9, 2013 em 19: 25

      Sou um humanista e ainda não acredito em Deus. Li o Rev. Bess porque ele está transmitindo a mensagem humana, de que todos devemos cuidar uns dos outros, de uma forma que os líderes religiosos e políticos de direita NÃO estão fazendo. Se a mensagem do Rev. Bess for divulgada e os Xianos descobrirem que o Jesus (em quem não acredito que existiu) em que acreditam não era violento, por exemplo, então talvez haja menos guerras e mais dinheiro para causas sociais. Posso ser anti-religioso, mas não aqui, não com alguém que não promove uma agenda religiosa. Confio que sua voz e mensagem sejam humanas.

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